Habilitação à Clínica

Habilitação à Clínica – forma Filósofos Clínicos (terapeutas)

O objetivo deste curso é preparar a pessoa para o atendimento clínico.
Isto é feito a partir de um tripé básico:
1 – capacitação intelectual e metodológica, através de curso e orientação pessoal
2 – capacitação emocional, através de clínica pessoal
3 – capacitação prática, através de atendimento supervisionado e discussões e supervisões clínicas em grupo
A capacitação intelectual e metodológica se fará através de aulas sobre os procedimentos clínicos e de seminários e discussões sobre os vários aspectos que envolvem a prática clínica. Para isso serão utilizados textos de alguns filósofos , de clínicos de abordagens diversas e especialmente de autores da Filosofia Clínica.
O valor, grade curricular e horário serão definidos oportunamente.
A capacitação emocional se dará através de clínica pessoal a ser feita com filósofo clínico da escolha do aluno. A clínica pessoal visa possibilitar a compreensão de suas próprias características, de familiaridade com sua estrutura de pensamento – seus conflitos pessoais – e com seus modos de agir e reagir. Além disso alterar modos de ver, de agir, de viver, que lhe tragam maior bem estar íntimo, para evitar projeções de assuntos pessoais no atendimento clínico. E, ainda, a partir dessa compreensão ampliada de si, poder criar maior possibilidade de se colocar em posição de recíproca para o trabalho clínico. O local, horário, frequência e honorários para a clínica pessoal serão definidos em comum acordo entre o aluno e o filósofo clínico.
A capacitação prática se fará no atendimento a 3 casos sob supervisão de um filósofo clínico experiente. Um desses casos deverá ter gravação e transcrição por escrito das consultas.
O local, horário, frequência e honorários para a supervisão dos casos clínicos serão definidos em comum acordo entre o aluno e o supervisor.
Serão realizados, também, discussões e seminários clínicos em grupo, para possibilitar a troca de experiências, observar modos diversos para abordar questões e assim por diante. O local e horários deverão ser definidos futuramente.
O aluno deverá ainda apresentar um trabalho de final de curso, que contemple o relatório completo de um caso, com suas considerações pessoais, do ponto de vista metodológico e/ou filosófico. Para isso poderá contar com o acompanhamento de seu orientador clínico.
O aluno ou o orientador, completado os 3 níveis de capacitação, e entregue o trabalho de final de curso, poderá requerer a avaliação final, que será feita através de uma banca de avaliação, composta por um membro do Recanto da Filosofia Clínica e por 2 membros de outro Cento de Formação em Filosofia Clínica.
Para se inscrever nesta etapa é requisito obrigatório o Certificado de Especialista em Filosofia Clínica, ou ter completado 80% da Base Teórica. Apresentar curriculum escolar e profissional completo e fazer entrevista de seleção e avaliação.

Professores

Cláudio Fernandes
[FClínica/Inst Packter; Filosofia/USP] filósofo clínico, psicanalista
Gláucia Rita Tittanegro
[FClínica/Inst Packter; docPUG/Roma; pós-doc FSP/USP] professora universitária, pesquisadora saúde pública, filósofa clínica, consultora
Paulo Roberto Grandisolli
[FClínica/Inst Packter; Filosofia/UCMG; GSS-FSP/USP] filósofo clínico, professor, administrador serv saúde, consultor
Todos os encontros serão presencial e online ao vivo

Filosofia Clínica como Filosofia da Vida

Em sua obra “Da literatura à filosofia” (2ª ed. corrigida, 1986), Joaquim Batista Martins diz tratar de “ao comentar textos literários, apontar no sentido da filosofia”. Na pág. 60, comentando o texto “Um tema para maio”, o autor afirma: “Sobre a vida mesmo não costumamos pensar. A filosofia da vida prefere discorrer sobre cultura e história. Por detrás da data do nascimento não se avança analiticamente. Um dos pontos em que filosofia e poesia se aproximam (mais do que poesia e ciência) é, como se diz, um aceno à existência. A existência é sempre pessoal, individual. Segundo a filosofia da vida, o indivíduo que se cuide”.
Ao ler essa afirmação, veio-me a ideia de que o autor teria outra opinião, ou melhor, poderia acrescentar à sua afirmação uma outra vertente caso tivesse conhecido a Filosofia Clínica. Pois como apontado no título do presente texto, penso ser a Filosofia Clínica uma filosofia DA vida.
Vejam bem, DA e não DE vida, como se convencionou em todas as instâncias por aí afora: minha filosofia de vida; a filosofia de vida de fulano ou beltrano; a filosofia da instituição ou da empresa e por aí vai.
Se a Filosofia é um saber totalizante, que tem um método próprio para se chegar ao conhecimento ou, ao menos, ao entendimento das coisas, com um olhar crítico e profundo acerca do que se indaga, não dá para dizer que tenho uma “filosofia de vida”, mas sim princípios e valores que me norteiam, sobre os quais, aliás, é possível e até necessário filosofar.
Já filosofia DA vida, em meu entender, além da discorrer sobre cultura e história, como afirma Martins, deve acenar para a existência. E para a existência concreta das pessoas. Saindo das abstrações e generalizações, debruçando-se sobre o dia-a-dia e seus desafios.
E, penso, é exatamente isso o que a Filosofia Clínica se propõe. Sem deixar de reconhecer e valorizar a história, a cultura e tudo o que diz respeito à vida na sua abrangência e generalidade, vai debruçar-se sobre a historicidade dessa pessoa, não para “avançar analiticamente” por trás de sua data de nascimento, mas pensar sobre a vida mesmo, procurando entender sua existência singular a partir da narrativa que ela faz de sua história, atenta à sua linguagem e ao seu modo de expressar-se, pois “a existência é sempre individual”. E também segundo a Filosofia Clínica, “o indivíduo que se cuide”, mas sabendo que tem, na pessoa do terapeuta, alguém que lhe tem cuidado e com quem pode contar para construir o seu caminho.
Parodiando o título da obra citada, Da literatura à filosofia, podemos dizer que a Filosofia Clínica vai da vida à filosofia, mas sempre retornando à vida. Penso ser esse o seu método.
Paulo Roberto Grandisolli

Atalhos em Filosofia Clínica

“Caminhos secundários, derivados de um principal, pelo qual se encurtam distâncias ou se chega mais rapidamente ao lugar de destino; maneira de se conseguir alguma coisa em menor tempo ou com menor esforço do que por meios normais.” (Dic. Houaiss da L. Port. – 2002).
Em Filosofia Clínica, ATALHO é um SUBMODO, i.é, os modos, as maneiras subjacentes, inerentes ao ser/estar da pessoa, as diversas formas que o PARTILHANTE tem de pensar/agir diante das suas questões e das situações diversas que vive.
São também os modos que o Filósofo Clínico vai usar para trabalhar as questões determinantes na ESTRUTURA DA PENSAMENTO da pessoa. “É o caminho criativo, a solução inesperada, uma outra opção para o dilema. (…) Juntar os dados disponíveis para criar soluções diferentes das já existentes.” (AIUB, 2004).
Necessariamente não é um “caminho menor”, mas construção de novas formas de melhor articular o ser/existir. De sintonizar a existência.
Aqui, fazemos uso desse vocábulo no intuito de oferecer pequenos textos como formas de “atalhar”, para introduzir as pessoas nos conceitos, textos e contextos da Filosofia e da Filosofia Clínica.

Filosofia e Política

A dúvida, a inquietação, a contestação e a busca são próprias da investigação filosófica. As filosofias nasceram dessas atitudes diante das questões que instigam e inquietam mulheres e homens ao longo da história, desde os “mistérios” da natureza, passando pelas questões cruciais da existência humana, como o sofrimento, a morte, as angústias, até as questões éticas, políticas, sociais e culturais. No filosofar tudo cabia e tudo cabe, desde que o exercício do pensamento não permaneça no mero senso-comum ou apenas no bom senso, que não se reduza a mera especulação e teorização, mas traga contribuições e transformações concretas e necessárias para a vida cotidiana, em termos do que se chama filosofia da práxis.
Práxis, aqui entendida como um pensamento, uma reflexão que estimula a prática; mas uma prática que instigue o constante pensar, repensar e refazer conceitos, teorias etc, objetivando a transformação da realidade. Práxis não é mera prática; mas, ação, conduta. Ação e conduta que se identificam com o próprio modo de pensar, ser a agir no mundo, não só enquanto ação de indivíduos, mas principalmente enquanto ação coletiva. Um pensar e agir coletivos que levem a uma transformação social. Rosa Luxemburgo (Polônia/Alemanha, 1871-1919), Antonio Gramsci (Itália, 1891-1937), Adolfo Sánchez Vázquez (Espanha/México, 1915-2011), Paulo Freire (Brasil, 1921-1997), Carlos Nelson Coutinho (Brasil, 1943-2012), são alguns desses filósofos que contribuem para nosso entendimento acerca da práxis. Vale lembrar, principalmente, Karl Marx (Alemanha/Londres, 1818-1883), ao afirmar que os filósofos, até então, haviam interpretado o mundo; a questão mais importante é transformá-lo.
Atualmente, em várias partes do mundo, particularmente no Brasil, vivemos num chamado estado de exceção, que no dizer do filósofo italiano Giorgio Agamben (1942-), é aquele que “apresenta-se como forma legal daquilo que não pode ter forma legal”*; uma frágil democracia se mescla ao autoritarismo. Em nosso país, após um golpe midiático-político, instalou-se um governo declaradamente submisso às oligarquias econômico-financeiras nacionais e internacionais cujo propósito é consolidar o neoliberalismo, em que o mercado tem absoluta liberdade para ditar e implantar as regras da política, restringindo a ação do Estado sobre a economia. Daí os chamados direitos civis e sociais passarem a ser gerenciados pelas grandes corporações como mercadoria, imperando a suposta “livre” negociação, sobretudo nas relações de trabalho. Sabe-se daí, como diz o ditado, a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. E toda essa forma de pensar e gerir a política estende-se como uma “práxis perversa” para todos os aspectos da vida humana, como a educação, a saúde, a cultura. Sejam observados projetos como o escola sem partido, o escanteio de matérias como Filosofia e Sociologia nos currículos escolares, a privatização de serviços básicos como energia e saneamento, a expropriação de territórios de populações indígenas e quilombolas, as intervenções em exposições e performances artísticas, entre outras, que temos presenciado ultimamente.
Enfim, o estado de exceção expõe um obscurantismo nas áreas do direito e da democracia, instaurando-se um estado policialesco, no qual o judiciário age como mandatário supremo, à guisa dos outros poderes, todos mancomunados, espetacularizando ações, inquéritos, conduções coercitivas, prisões… E os grandes meios de comunicação, especialmente a TV, corroboram e contribuem para levar ao delírio uma grande parcela da população que não foi e não é estimulada a pensar por si mesma, repetindo o pensamento único veiculado e tido como verdadeiro. Daí, pensamentos e comportamentos preconceituosos e discriminatórios (xenofobia, LGBTfobia, misoginia, linchamentos, intolerância religiosa etc) afloram e se sentem legitimados por boa parte dos que ocupam e usurpam cargos no Congresso, nos Supremos Tribunais e demais instâncias governamentais.
Mas, e daí? Para que serve afinal a filosofia? M. Gadotti, filósofo brasileiro, em artigo publicado no periódico Reflexão (PUCCAMP)**, já tematizava essas questões aliadas ao ensino e estudo da Filosofia. Naquela época, então sob uma ditadura militar, constatava que “na ordem do sistema capitalista, a única filosofia tolerada é a filosofia da alienação. O capital precisa cada vez mais de homens alienados. (…) As discussões sobre a opressão e a ditadura certamente não terão lugar numa classe de física ou de matemática”. Afirmava também que “a filosofia deixou de ser o lugar do debate dos grandes (e graves) problemas do homem contemporâneo. (…) Pretensiosamente, a filosofia dos especialistas, dos filósofos por profissão, recusa-se a tratar dos problemas concretos e urgentes dos homens, para servir às organizações políticas e econômicas do capitalismo”. Vivemos uma situação análoga. Daí a urgência de nos reapropriarmos da filosofia, entendermos a necessidade de um filosofar, como “exercício do livre debate, ensinar e aprender a problematizar o que parece evidente, necessário, correto; ensinar e aprender a contestar (…). Nesse sentido, cada vez mais o filósofo me parece como o homem da suspeita, o homem que não duvida apenas, mas vai além da dúvida, suspeita sistematicamente e sobretudo das evidências, das coisas que se apresentam de forma definitiva, das coisas claras, que há sempre algo que não se mostra, que está escondido atrás das aparências, suspeita da parcialidade daquilo que vê”.
Consideramos parte essencial do pensamento filosófico ver para além das aparências e debruçar-se sobre as questões do cotidiano, de um sistema que submete homens e mulheres como meros componentes de uma pretensa “máquina pensante” e lhes incute a ideologia de se tornarem, como diz o filósofo chileno V. Safatle***, empreendedores de si mesmos, cujos pensamentos, corpos e desejos são controlados pelos grandes “centros de tecnologia-entretenimento-informação” formadores de “um tripé basilar da economia mundial”, reduzindo-os a objetos e negando-lhes as individualidades e o primordial direito ao pensamento e ao agir autônomos. Defendemos um filosofar que colabore para o restabelecimento e a consolidação da democracia brasileira, inclusive pensando noutros modelos, que não apenas o modelo democrático representativo, como as democracias comunitárias e participativas, em que as pessoas, o povo possa se pronunciar em sua soberania e como origem do poder político.
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*Giorgio Agamben, Estado de Exceção, 2004.
**Moacir Gadotti, Para que serve afinal a Filosofia? Reflexão, PUCCAMP, 4/13, jan-abr/79.
***Vladimir Safatle, O Cirucuito dos afetos – Corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo, 2015.
Marcelo Bezerra Oliveira / Paulo Roberto Grandisolli

A razão cínica*

Previamente quero esclarecer que o termo razão cínica não tem aqui a conotação ética da escola grega dos tempos pré-socráticos.
Denomino razão cínica ao procedimento que pretende justificar ou pelo menos querer legitimar aquilo que pelas vias do raciocínio lógico rigoroso é injustificável e inaceitável.
Trata-se de uma postura cínica no sentido antiético e vulgar.
O movimento filosófico denominado Escola Cínica, atribuído aos pensadores ditos cínicos, caraterizava-se pelo desprezo das convenções e preconceitos relativos ao comportamento do senso comum. Objetivava uma vida de simplicidade radical e renúncia à posse de bens. A provocação de um choque mediante a quebra de tabus e convencionalismos rígidos. Uma postura de cepticismo e questionamento.
Atualmente, o discurso pautado pela razão cínica, longe desta tendência, consiste numa posição superficial, autoritária e afirmativa do conformismo subserviente à estabilidade do sistema dominante. Trata-se de uma razão cega, porque vê, mas finge não ver. Sabe, mas não reconhece; por ser politicamente conveniente e submissa aos interesses ideológicos dos que fazem a negação das evidências. Enquanto a filosofia cínica dos gregos antigos tinha uma posição cognitiva de contestação aos padrões dominantes, a razão cínica atual, sendo conformista, sequer se assume como tal, porque pretende se camuflar enquanto discurso que defende exatamente a manutenção desses padrões, pelo discurso falacioso sem nenhuma força de argumento que mereça o nome de racionalidade lógica. O próprio termo razão, neste caso, está impróprio, já que se trata mais de uma negação da própria racionalidade. Seria uma espécie de desrazão ou anti-razão. Relacionadas de tal modo que racionalidade e cinismo se confundem, sem que um anule o outro. Nesse contexto só é possível ser racional sendo cínico.
Um dado estatístico evidente a todos, por exemplo, passa a ser evitado, negado ou simplesmente invertido, sem que se apresente uma razão suficiente para tal, afora o interesse do interlocutor que o nega. Trata-se mais de um discurso falacioso que pretende dissimular certo autoritarismo, mediante dados verdadeiros, porém invertidos; pelo avesso, digamos. Uma negação de dados verdadeiros, exceto para quem os rejeita, por invertê-los em razão de malignidade e má fé.
A razão cínica em sua postura poderá até usar o que chamamos má fé e malignidade. Embora, diga-se, não se confundem. Pelo fato de que se funda no saber e em sua negação.
No momento atual esse tipo de irracionalidade inconseqüente e irresponsável é usado para disfarçar o absurdo inocultável nomeado como crise econômica, crise de paradigmas, crise da razão. Contanto que não se nomeie como crise do sistema capitalista.
As “razões” da razão cínica são geralmente as chamadas “razões ocultas”, os interesses inconfessados, o que está escondido por preferências, negociatas, desvios, conveniências pessoais, corporativas, de classe social etc. Seriam os resquícios da famosa mão “invisível” de Adam Smith. Aquilo que está camuflado, que não aparece nem é nomeado, porém transparece nas decisões e escolhas dos sujeitos falantes. E assim já não é tão oculto. Em síntese, é o tipo de discurso em que o sujeito falante, fazendo uso de falácias, atinge um nível acentuado de inescrupulosidade. Paralogismo? Não. Pelo fato de que o simples paralogismo possui apenas uma falha de natureza lógico-formal no argumento, sem necessariamente usar de malignidade; enquanto o discurso da razão cínica sabe que é inverídico e perverso. Usa o que denomino perversão ideológica. Embora não se reduza a mera questão de ideologia enquanto falsa consciência.
Alguns exemplos de falácias freqüentes no discurso sociológico reacionário podem nos esclarecer. Quando se afirma que o encontro entre europeus e indígenas foi pacífico. Que os nativos foram bem tratados e presenteados. Afirmar que a escravidão dos africanos não foi uma questão racial, mas apenas econômica. Que os negros conviviam pacificamente com os brancos portugueses no território brasileiro. Afirmar que todo brasileiro pode ser candidato a presidente da república. Que todos são iguais perante a lei. Que os Estados Unidos querem implantar a democracia nos países do oriente. Que nos últimos quatro anos cerca de quinze milhões de brasileiros saíram da classe baixa para a classe média. Que o crescimento econômico de percentuais do PIB de um país traz melhoria de vida para o povo. Enfim, tais discursos fazem uso da perversão estatística, pela inversão de dados. Trata-se de uma forma de legitimação e justificação do injustificável e ilegitimável. Um discurso que recusa enxergar os fatos visíveis e a perversão interna de sua falácia. Não se trata de uma falácia que leva à perversão, mas é a própria perversão em palavras inócuas que se pretendem consistentes.
Além desses exemplos, outro tipo emblemático de máximo cinismo acontece quando o próprio arcabouço jurídico permite que parlamentares ou empresários criminosos de alta periculosidade, tendo comprovadamente desviado milhões dos cofres públicos, como membros de quadrilhas, sejam defendidos por advogados particulares filiados à própria ordem dos advogados. Em nome do “direito”!
Sempre um discurso vindo do poder que pretende justificar a própria necessidade de transgressão ou ilegalidade pelas brechas da legalidade. Pior ainda por se tratar de uma perversão ideológica produzida pelas elites dentro das universidades. Que não teve origem aqui, mas nas universidades dos Estados Unidos e dos países europeus. Países onde, segundo o discurso dessas mesmas elites cínicas, “tudo funciona”. Entenda-se: a alta criminalidade. A exemplo da Suíça, com seus paraísos bancários; a França e a Itália racistas; todos com seus esconderijos para a bandidagem internacionalmente organizada em torno do dinheiro.
Não seria difícil reconhecer que este tipo de postura também se faz presente no comportamento das massas, que geralmente tendem a repetir o senso comum e o banditismo das elites. Neste sentido ambas não se diferenciam tanto. As elites possuem poder para impor o absurdo. O comportamento inescrupuloso das elites, o seu banditismo, a sua delinqüência, incentiva a delinqüência assassina e mortífera das massas; como analisou e previu o pensador Jurandir Freire Costa, há vinte anos, em entrevista sobre a razão cínica das elites brasileiras de fins da década de oitenta; e que nos dias atuais só tem piorado (cf. A ética e o espelho da cultura).
As massas não dispõem de poder, mas consentem, aplaudem, apoiam e imitam a prática das elites no que há de mais sórdido. Por isso são tão horrorosas. A meu ver um dos obstáculos mais difíceis para uma prática pedagógica conscientizadora está justamente nesse cinismo generalizado que funciona como corruptor das populações.
Penso ser possível também identificar a presença da razão cínica no comportamento das massas. Claro, de maneira irrefletida. O que me deixa mais estarrecido e perplexo é a sua cegueira e conivência com os opressores. Gostam de aplaudir e cultuar os tiranos. Sofrem fome, discriminação, marginalidade; entretanto, ao menor convite para inaugurações de monumentos, comícios e pseudo-festas, lá estão em multidões, para aplaudir os chefes. Pior ainda, estão sempre dispostas para apoiar as ditaduras e todo tipo de autoritarismo. Sua dispersão adere à ordem do mais forte. Em momentos especiais da história da humanidade as massas sempre consentiram o assassinato de grandes lideranças potencialmente libertadoras, como Jesus Cristo, Gandhi etc. E ainda hoje continuam dispostas para o mesmo tipo de crime. São adeptas do coitadismo e ao mesmo tempo dispostas a apoiar os interesses dos tiranos. Dissimuladas e violentas. Isto esconde o reflexo da razão cínica inerente ao poder autoritário.
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*In Filosofia Popular, 2009, p. 126-130, de Marcelo B. Oliveira

FILOSOFIA CLÍNICA É MÉTODO

Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão (1900-2002), em sua obra “Verdade e Método” nos aponta um marco para a procura da verdade e como o método é determinante nessa busca, aludindo que a hermenêutica* não se reduz a uma ciência, mas é uma condição da existência, i. é, a compreensão e a interpretação do mundo fazem parte da experiência humana. Aí se insere a filosofia: não filosofamos porque temos posse da verdade, mas justamente porque ela nos falta.
Nesse livro, o autor defende a tese de que a consciência é modelada histórica e culturalmente e que o sujeito é parte do processo efetivo da história, inserido numa cultura e num tempo específicos. Tendo a história como “pano de fundo” e como o “grande palco” da ação humana, o sujeito é parte efetiva dela.
A essência da história não consiste na investigação do passado, e sim na mediação do pensamento com a vida atual. A investigação se dá no presente, influenciada pelas circunstâncias da atualidade. Considerando isso é que o sujeito faz a leitura e interpretação de um texto, de uma obra de arte, da vida, na busca pela verdade.
Não dá para fazer uma distinção nítida entre passado e presente. Há uma fusão de horizontes: passado/presente/tradição. Daí se forma a compreensão, que só se torna possível através da linguagem.
Devemos atentar, porém, que toda linguagem é finita, i. é, as palavras não dão conta de abarcar toda a realidade, embora procuremos dar a elas um sentido de infinitude. E isso só é possível num contexto dialógico, onde o conhecimento é adquirido através da conversação como exercício de entendimento mútuo.
Bem, considerando as proposições acima, que são também releitura e interpretação da obra de Gadamer, passemos a pensar em método. Como o título da obra é “Verdade e Método”, podemos dizer que para ele só se chega à verdade através de um método? Assim, é possível afirmar que “verdade é método”?
A palavra método é formada por dois termos de origem grega, “metá” e “odós”, o primeiro significando “para lá, depois” e o segundo “maneira”, “modo”. Método é, então, “um modo de fazer algo”, “uma maneira de chegar lá, ao que vem depois”, “um caminho a ser aberto”. E a verdade também é um caminho que se constrói.
Nesse sentido, a Filosofia Clínica – FC, enquanto clínica filosófico-existencial, é um método; surgiu tendo em mente essa função terapêutica, que é sua principal razão de ser. Na sua reflexão e prática clínicas, vai construindo e elaborando novos métodos de abordagem, sempre de acordo com as realidades e circunstâncias nas quais está inserida.
A FC tem seu modo próprio de conceber e praticar filosofias. Assim como são várias as filosofias, são várias as filosofias clínicas. Porque trabalha com singularidades, para cada uma elabora processos clínicos específicos, trilhando com os partilhantes caminhos possíveis na construção das verdades próprias a cada um, sempre tendo como referência as historicidades que, como diria Gadamer, são os “grandes palcos” que darão referências aos Filósofos Clínicos para entender as singularidades e, aos partilhantes, as condições de reinterpretar e ressignificar suas existências.
Poderia-se dizer que fizemos aqui uma “redução” do pensamento de Gadamer, adaptando-o à FC. Mas se filosofar é não apenas interpretar e reproduzir as filosofias já existentes e consagradas, por que não nos embrenharmos nesse fascinante mundo do pensamento para recriar e criar novos conhecimentos , novas formas de pensar, condizentes com as realidades de cada pessoa, de cada grupo social, de cada sociedade enfim? Afinal, não temos posse das verdades. Por isso filosofamos.
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*Hermes, na mitologia grega, é o mensageiro dos deuses, aquele que decifra as mensagens aos destinatários. Daí deriva o termo hermenêutikos: hermeneo = eu decifro; teckhné = arte; tikos = relacionado a; daí que hermenêutica é a ciência, a arte de interpretação de textos ou de obras artísticas.
Paulo Roberto Grandisolli
 

FILOSOFIA CLÍNICA-FC / EPISTEMOLOGIA

A palavra epistemologia é formada pela junção de dois termos de origem grega, a saber:
Episteme: conhecimento, ciência.
Logia (derivação de logos): elocução, explicação, discurso, pensamento, razão explicativa, faculdade da razão.
E logos também pode ser traduzido por palavra, verbo, investigação ou teoria de um tópico particular.
Desta forma, epistemologia é: “Teoria do conhecimento, o ramo da filosofia que investiga a natureza e a possibilidade do conhecimento. A epistemologia trata também do alcance e dos limites do conhecimento humano, e do modo como este é adquirido e retido. Investiga ainda algumas noções correlatas como, por exemplo, percepção, memória, prova, indício, crença ou certeza” (Dicionário de Filosofia, Direção de Thomas Mautner, Ed. Lexis 70, p. 255).
Epistemologia também é um tópico abordado em Filosofia Clínica-FC. Tópicos, podemos dizer, são “partes” da Estrutura de Pensamento-EP que sinalizam, para o Filósofo Clínico, aquilo que é preponderante para a compreensão de como está organizado o pensamento e como se dão os modos de pensar do partilhante, a pessoa que procura a clínica para partilhar sua história e sua vida com o terapeuta. Ressaltamos que ao usar o termo “partes”, não queremos dizer com isso que o pensamento seja “partido” ou “dividido”. Esse é apenas um recurso metodológico usado para o entendimento do “todo” que é aquela pessoa, na sua singularidade, com seu modo próprio de pensar, de ser e estar no mundo.
Ao abordar este tópico, o Filósofo Clínico irá “pesquisar” como o partilhante busca e constrói, quais os modos, os caminhos que o levam ao aprendizado, ao conhecimento.
Mesmo que esse não seja um tópico determinante para a pessoa, talvez valha investigá-lo, pois o terapeuta poderá fazer uso dele, como já dissemos acima, para entender quais os caminhos e meios que ela usa para conhecer, ou mesmo para ajudá-la na construção ou na tomada de consciência desses meios. Sabendo como aprende e como busca o conhecimento, melhor dizendo, quais os modos que contribuem para um melhor aprendizado e conhecimento, aquela pessoa poderá, com mais tranquilidade, assimilar os conhecimentos necessários para a sua existência em todos os aspectos e circunstâncias: pessoal, familiar, profissional, social etc. Fazendo uso desse recurso, o Filósofo Clínico estará aplicando a epistemologia como sub-modo. Além de serem apontados como tópicos, em FC, os sub-modos são a maneira formal, o método que o terapeuta usa para ajudar a pessoa a trabalhar suas questões; são também a maneira informal que a pessoa usa com este mesmo fim.
Podemos considerar que a FC também é e tem uma epistemologia, pois constrói caminhos próprios que levam ao aprendizado, ao pensar e ao agir filosóficos. A FC usa esse conhecimento para reinterpretar, reelaborar, ressignificar e aplicar na vida cotidiana. Com isso facilita e incentiva os mais diversos modos de pensar, ser e atuar no mundo e, assim, se abre e reconhece as singularidades que o compõem.
Paulo R. Grandisolli/Cláudio Fernandes
 
 

Filosofia e Natureza

Em Filosofia, uma das concepções e interpretações mais antigas é a de Natureza “como princípio de vida e de movimento de todas as coisas existentes. (…) ‘Permitir a ação da Natureza’; ‘Entregar-se à Natureza’; ‘Seguir a Natureza’ e assim por diante são expressões sugeridas pelo conceito de que a Natureza é um princípio de vida que cuida bem dos seres em que se manifesta” (Dicionário de Filosofia, NIcola Abbagnano, Martins Fontes, 2007, p. 814).
Aproveitando o ensejo do “Dia da Árvore”, um dos símbolos da Natureza, e para que não nos esqueçamos, poderíamos reforçar a interpretação de que “a Natureza cuida bem dos seres em que se manifesta”. Vale nos questionarmos se nós, animais da espécie humana, nos consideramos seres em que a Natureza se manifesta ou se nos vemos como apartados dela.
Se nos tornamos e nos consideramos seres apartados, nosso pensamento e comportamento é e continuará sendo de dominação e devastação. Pensamento e comportamento de uma elite político-econômica-financeira que tem se embrutecido descaradamente a cada dia.
Mas ainda é tempo de não nos esquecermos que fazemos e somos parte da Natureza, se assim quisermos, se essa fora nossa vontade e determinação.
E, falando em lembrança, a memória de nossas origens é de fundamental importância para que, assim como “a Natureza cuida bem dos seres em que se manifesta”, nós também tenhamos esse mesmo cuidado para com as árvores, para com o conjunto da Natureza da qual somos e fazemos parte.
Paulo R. Grandisolli

UM ASPECTO DO FILOSOFAR DA FILOSOFIA CLINICA

Em sua obra Filosofia e Circunstâncias*, no Epílogo – O que significa filosofar, o filósofo espanhol Adolfo Sanchez Vázquez (1915 – 2011), ressalta a necessidade e importância de distinguir a produção filosófica e a prática do filósofo, sendo esta última efeito da primeira, supondo que todo filósofo produza filosofia e filosofe desde um lugar referenciado, contextualizado.
Citando o filósofo Immanuel Kant (Alemanha, 1724 – 1804), Vázquez ressalta que a filosofia é a produção de “objetos que são as doutrinas, teorias, categorias ou conceitos filosóficos” e o filosofar o modo como esse conhecimento insere-se “na própria vida do filósofo”.
É pertinente, segundo Vázquez, ainda citando Kant, fazer a distinção “com a qual o acento se coloca, sobretudo, não na filosofia, mas no filosofar. O que, por sua vez implica pôr o acento na aspiração, finalidade ou intenção com que o sujeito – o filósofo – produz certo objeto ou exerce sua atividade”.
Ele ainda faz referência a Karl Marx, outro filósofo alemão (1818 – 1883), cujo distintivo “é por em primeiro plano essa atividade prática, vital, que (…) suporta o imperativo moral de transformar o mundo que, para o filósofo, converte-se no próprio imperativo de pôr seu filosofar em concordância com essa finalidade”.
Sendo a Filosofia Clínica uma terapêutica existencial, podemos dizer que ela também é um exercício prático da filosofia, é um filosofar praticado pelo Filósofo Clínico junto ao partilhante, caminhando com ele, durante o processo clínico, no sentido de auxiliá-lo a buscar as transformações necessárias para o seu modo de ser, de estar e de agir no mundo, sempre de acordo com o que a pessoa almeja. E em se tratando, por exemplo, de alguém que tenha um envolvimento com as causas político-sócio-ambientais etc, e que traga essa questão/inquietação para a clínica, obviamente, o Filósofo Clínico colaborará para que o partilhante atue, como diz Vázquez, para “transformar o mundo humano que, por injusto, não podemos nem devemos fazer nosso, (…) e não se deve aceitar a injustiça. Trata-se de transformar o que é não só porque ainda não é, mas também porque deve ser”.
Vale observar que o Filósofo Clínico, como terapeuta, embora coloque sua ênfase no filosofar, não significa dizer que ele também não produza filosofia enquanto teoria, pois estuda e busca construir um conhecimento teórico que dê sustentação para sua prática filosófica e para seu agir na transformação de si e do mundo.
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*Ed. Civilização Brasileira, 2002, p. 541-549.
Paulo Roberto Grandisolli
 

Poetofilosofia*

Da antiguidade até o presente, a história das filosofias e das literaturas em geral estão cheias de pensadores-poetas. Desde os pré-socráticos gregos, que eram filósofos-poetas, até Frederico Nietzsche e Gaston Bachelard, em cujas obras se mesclam voos filosóficos plenos de uma literatura acenando claramente para a poesia. Foram autores de uma prosa poética extraordinária.
A mundivisão filosófica não admite fronteiras rígidas e separadas nas áreas do conhecimento. Razão por que está sempre apontando para um “não-se-sabe-o-quê”, que poderá ser atingido poeticamente.
Como saber dialogante, em todos os povos que a cultivam, desde os primórdios de sua tomada de consciência como razão, a Filosofia se encontra tangencialmente com a Poese. Está em constante diálogo com a literatura. Enquanto atividades culturais podemos afirmar que, embora distintas, são inseparáveis. Consequentemente, Filosofia e poesia, que não se confundem nem são complementares, sempre se reencontram na história do pensamento. Diversas, mas dialogantes; enquanto participam da literatura, surgem nas literaturas das diversas culturas. A Poesia, por ter sido cronologicamente a primeira forma de pensamento, nos mitos e cosmogonias; a Filosofia, mais tardiamente, como logos, discurso conceitual e explicativo, surge como interpretação e crítica das mitologias, mas sem tomar o lugar da Poese. E é precisamente no campo da literatura dos povos cultivadores da escrita que elas dialogam, através dos seus pensadores, sobretudo aqueles que se dedicam à ficção literária, no romance, através da prosa. Inclusive, como dado literário inegável, torna-se difícil separar, na maioria dos autores, prosa e poesia. São escritores que escrevem fazendo uso de uma prosa poética.
Quanto à tematização da relação entre Filosofia, Literatura e Poesia podemos rastrear e vislumbrar isto desde o pensamento dos gregos, em Platão e Aristóteles, passando pelos renascentistas, pós-renascentistas, como Giambattista Vico, até os escritores modernos de meados do século XX, a exemplo de Bachelard, Michel Foucault, Blanchot, Heidegger, Sartre, Deleuze; sem esquecer György Lukács, grande especialista em Literatura e Filosofia da Arte. De modo que, mesmo não tendo escrito poemas, todos tiveram a literatura como temática de suas reflexões.
Enfim, na grande maioria dos melhores escritores, principalmente romancistas, torna-se impossível separar prosa e poesia. Alguns que não se dizem poetas, entretanto, escrevem como poetas. Fazem uso de uma prosa poética, pela forma e o recurso das metáforas e imagens com que se instrumentalizam para expressar a sua relação com o mundo da vida. Tais escritores, evidentemente, pensam o mundo mediante a sua produção literária.
Para mim os melhores escritores são especialmente aqueles que possuem esta característica de escritores-poetas; mesmo que não recorram às formas específicas do gênero poético tradicionalmente conhecido, como sonetos, paralelismos, estrofes e rimas. Aqueles que mais atingem e expressam a humanidade. Certamente porque compreendem e intuem que a vida é muito complexa e enigmática para ser comunicada e pensada apenas mediante conceitos. Mais ainda, por outra razão que considero princípio epistemológico: por perceberem que o sujeito humano, em sua condição existencial de sujeito cognoscente, não o faz de modo compartimentado. Pois é um sujeito que indaga, pergunta, busca, duvida, investiga, percebe, não somente através do raciocínio técnico, lógico-dedutivo, mas movido pelo desejo, como corpo que se apercebe em contínua tomada de consciência; como totalidade de sentimentos e sensações. Como sujeito que sofre, alegra-se, projeta, se entristece, imagina, cria e toma consciência de sua finitude enquanto parte de um cosmos virtualmente infinito que não se deixa apreender em sua totalidade inacabada. Sujeito que faz a experiência da complexidade da vida enquanto exprimível/inexprimível, enquanto dialética de sentido/não sentido; mediante a atitude poético-filosófica enquanto fronteiras intercomunicantes que detectam a própria experiência da incomunicabilidade: a perplexidade face ao desconhecido e imprevisível que é a vida.
Pensadores que dialogam com as diversas fronteiras do conhecimento filosófico-literário são produtores de uma poetofilosofia; uma poesia pensante. Sem a pretensão de eliminar a necessária distinção entre o filosófico e o poético, Filosofia e Poesia.Saberes diferentes, sim, mas dialogantes, enquanto formas de literatura.
É no campo da literatura que elas dialogam, porque toda forma de saber sempre supõe fronteiras, ao se deparar com seus limites. Ao mesmo tempo, é necessário que tais fronteiras não se fechem. Isto não é uma mera questão de metodologia, mas uma necessidade que brota do desejo humano de indagação e busca de respostas que possibilitem melhor fruição dos momentos da vida. A Filosofia enquanto esforço explicativo, conceitual, como sapiência “onisciente”, argumentativo; a Poesia como “omnissentiencia”, (uma forma de sentir tudo); admiração contemplativa, indeterminabilidade. O poema é canto, por ser ritmo e rima; convoca-nos ao silêncio; mas também nos move à ação-reflexão. Enfim, ambas são saberes. Poesia não é puro sentimento, imaginação ou delírio; pois encerra uma forma de percepção, ao pretender pronunciar o mundo numa outra perspectiva de saber – a perspectiva estética.Por isso se torna pensante. A poesia é memória; um tipo de memória que pode recuperar até mesmo aquilo que a nossa mente julgava perdido. Isto encontra-se na raiz da história do pensamento. E a ponte entre ambos se efetua pelo diálogo. Um diálogo entre pensador e poeta, filósofo e poeta, dirigido pelo pensamento, originando um pensar poético.Num mesmo pensador ou entre vários, naturalmente.
*Marcelo B. Oliveira – in Poetofilosofia/2015