Filosofia Clínica como Filosofia da Vida

Em sua obra “Da literatura à filosofia” (2ª ed. corrigida, 1986), Joaquim Batista Martins diz tratar de “ao comentar textos literários, apontar no sentido da filosofia”. Na pág. 60, comentando o texto “Um tema para maio”, o autor afirma: “Sobre a vida mesmo não costumamos pensar. A filosofia da vida prefere discorrer sobre cultura e história. Por detrás da data do nascimento não se avança analiticamente. Um dos pontos em que filosofia e poesia se aproximam (mais do que poesia e ciência) é, como se diz, um aceno à existência. A existência é sempre pessoal, individual. Segundo a filosofia da vida, o indivíduo que se cuide”.
Ao ler essa afirmação, veio-me a ideia de que o autor teria outra opinião, ou melhor, poderia acrescentar à sua afirmação uma outra vertente caso tivesse conhecido a Filosofia Clínica. Pois como apontado no título do presente texto, penso ser a Filosofia Clínica uma filosofia DA vida.
Vejam bem, DA e não DE vida, como se convencionou em todas as instâncias por aí afora: minha filosofia de vida; a filosofia de vida de fulano ou beltrano; a filosofia da instituição ou da empresa e por aí vai.
Se a Filosofia é um saber totalizante, que tem um método próprio para se chegar ao conhecimento ou, ao menos, ao entendimento das coisas, com um olhar crítico e profundo acerca do que se indaga, não dá para dizer que tenho uma “filosofia de vida”, mas sim princípios e valores que me norteiam, sobre os quais, aliás, é possível e até necessário filosofar.
Já filosofia DA vida, em meu entender, além da discorrer sobre cultura e história, como afirma Martins, deve acenar para a existência. E para a existência concreta das pessoas. Saindo das abstrações e generalizações, debruçando-se sobre o dia-a-dia e seus desafios.
E, penso, é exatamente isso o que a Filosofia Clínica se propõe. Sem deixar de reconhecer e valorizar a história, a cultura e tudo o que diz respeito à vida na sua abrangência e generalidade, vai debruçar-se sobre a historicidade dessa pessoa, não para “avançar analiticamente” por trás de sua data de nascimento, mas pensar sobre a vida mesmo, procurando entender sua existência singular a partir da narrativa que ela faz de sua história, atenta à sua linguagem e ao seu modo de expressar-se, pois “a existência é sempre individual”. E também segundo a Filosofia Clínica, “o indivíduo que se cuide”, mas sabendo que tem, na pessoa do terapeuta, alguém que lhe tem cuidado e com quem pode contar para construir o seu caminho.
Parodiando o título da obra citada, Da literatura à filosofia, podemos dizer que a Filosofia Clínica vai da vida à filosofia, mas sempre retornando à vida. Penso ser esse o seu método.
Paulo Roberto Grandisolli

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