Outridades e Filosofia Clínica

OUTRIDADE: OUTRO/A + IDA + IDADE
A OUTRA pessoa que é minha igual, mas que é, principalmente, ao mesmo e no seu próprio tempo e ritmo, diferente de mim.
A OUTRA pessoa que é IDA, i. é, que vem, que vai, que é movimento, que tem o direito e quer construir seu próprio caminho.
A OUTRA pessoa que tem sua IDADE, i. é, que tem seu tempo, seu ritmo, seu compasso próprio.
Eu e o(s) outro(s). Eu diante do(s) outro(s). Eu ao lado do(s) outro(s). Eu adiante do(s) outro(s). Eu na contramão do(s) outro(s). Eu acima e abaixo do(s) outro(s). Eu com e sem o(s) outro(s). Eu dentro e fora do(s) outro(s). Eu que me aproximo e me afasto d(s) outro(s). Eu que desejo e repugno o(s) outro(s). Eu que sou outro(s). O(s) outro(s) que são eu. Eu igual e diferente do(s) outro(s)…
A(s) outra(s) pessoa(s). O(s) outro(s) homem(ns). A(s) outra(s) mulher(es). O(s) outro(s) animal(ais). As outras plantas. As outras espécies vivas. As outras metades das maçãs. As outras palavras. Os outros aromas. Os outros olhares. Os outros toques. As outras circunstâncias. Os outros sons. Os outros sentidos e sentires. As outras realidades. As outras etnias. As outras sociedades e culturas. Os outros tempos. As outras crenças e descrenças. Os outros lugares. As outras peles. As outras contingências. Os outros pelos. Os outros paladares. As outras relações. As outras geografias. Os outros gumes das facas. Os outros corpos. As outras ideologias. Os outros afetos e desafetos. Os outros espaços. As outras políticas. Os outros amores e dasamores. Os outros lados das mesmas moedas. Os outros assuntos. Os outros sexos e gêneros. As outras tecnologias. Os outros sonhos. As outras orientações sexuais. As outras mundivisões. Os outros mundos possíveis e impossíveis…
O “eu profundo e os outros eus” de Fernando Pessoa. O eu que é “vária” de Cecília Meireles. “O inferno são os outros” de Sartre. A outro como alteridade de Martim Buber. O outro como lucro: mão-de-obra, força de trabalho, objeto exploração e de prazer no mercado do sexo. O outro como objeto de estudo para as ciências. O outro como ensinante e aprendiz de Cora Coralina. A outra face dos Evangelhos…
E o rol de outridades vai ao infinito, mesmo diante das limitações de meu e de nosso modo sentir, pensar, aprender, entender, falar, de expressar enfim.
Tudo assim, sem agrupar essas e tantas outridades possíveis. Pois tudo tem a ver com tudo. Eu sou e nós somos a(s) parte(s) e o(s) todo(s). Não tem como dissociar corpos, gastronomias, políticas, geografias, sexos etc e tal. Até podemos fazê-lo por questões de métodos, didáticas, ideologias, interesses, poderes. Mas, na vida, isso não é possível. Não somos seres divididos. Em tudo sou e somos interdependentes.
Às vezes e quase sempre essas outridades e singularidades dos outros nos interpelam e não nos dizem nada; nos encantam e nos desencantam; nos desafiam e nos apatizam; nos curam e nos ferem. Mas nunca ou quase nunca nos deixem imunes. Acredito que não tenho como me esquivar diante dos outros. Contraditoriamente e ambiguamente eu sou eles e eles são eu. Ao mesmo tempo que singulares, iguais e diferentes.
E admitindo, querendo ou não, sem os outros, sem as diferenças, eu e os outros não teríamos as referências que nos possibilitam pautar a nossa existência. Nós olhamos e somos olhados. Pensamos e somos pensados. Nos construímos e somos construídos. Vivemos e somos vividos. Como diz o jargão popular moderno: tudo junto e misturado.
Diante desses(as) tantos(as) outros(as), quem sou eu? Quem é/sâo o(s) outro(s) e a(s) outra(s). É essa indagação que as filosofias, ao longo da(s) história(s), fizeram e continuarão a fazer. Sim, continuarão, pois eu, os outros e as outras somos processo, somos movimento. Nunca serei, nunca seremos os mesmos e as mesmas sempre. Somos caminho. Somos construção.
Parodiando o poeta: pela longa estrada eu vou, nós vamos; estrada eu sou, nós somos…
Penso que em todo o dito até aqui, está a Filosofia Clínica enquanto terapêutica existencial, enquanto terapêutica da vida. Deverão estar imersos em seus eus e nas outridades, como terapeutas, o Filósofo Clínico e a Filósofa Clínica. Supõe serem pessoas sensíveis, que têm ciência de ser um eu diante de outros eus. De ser singularidades diante de outras singularidades. De ser diferentes e ser iguais. E, por isso, buscarão colocar-se perante as outras pessoas para contribuir, para trilhar com elas caminhos que as levem a entender-se e a viver melhor com as suas igualdades e as suas diferenças, com as igualdades e as diferenças das outras pessoas, com as certezas e as dúvidas, com as perguntas com respostas e as perguntas sem respostas que, penso, todos e todas temos. A viver de forma mais serena com os vários eus que as habitam e com todas as outridades com quem convivem e se relacionam. E respeitando “a dor e a delícia” de cada pessoa ser quem é e construir o que quer ser.
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Paulo R. Grandisolli

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